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Questões e Processos Incidentes

3 abr
1. Conceito

Etimologicamente “prejudicial” significa pre-iudicate, isto é, questão que deve ser julgada, antes do processo principal.
Questões processuais são circunstâncias acidentais, episódicas ou eventuais que ocorrem no processo antes do julgamento do mérito, devendo ser resolvidas pelo juiz através de decisões interlocutórias. Estas questões condicionam o principal, que está subordinado a elas. Elas compõem um processo à parte (incidente), e são atacáveis pelas partes por meio de recurso em sentido estrito.
Os incidentes se dividem em dois ramos principais: questões prejudiciais, as quais devem ser resolvidas previamente, pois dizem respeito ao mérito do causa, existindo uma dependência lógica entre elas e o processo principal; e processos incidentes em sentido estrito, fazendo parte do processo, podendo ser resolvidas pelo próprio juiz criminal.
Elas se subdividem em:
– questões prejudiciais (arts. 92 a 94 do CPP);
– exceções (arts. 95 a 111 do CPP);
– incompatibilidades e impedimentos (art. 112 do CPP);
– conflito de jurisdição (arts. 113 a 117 do CPP);
– restituição de coisa apreendida (arts. 118 a 124 do CPP);
– medidas assecuratórias (arts. 125 a 144 do CPP);
– incidente de falsidade (arts. 145 a 148 do CPP);
– incidente de insanidade mental do acusado (arts. 149 a 154 do CPP);

2. Questões prejudiciais

2.1. Conceito de prejudicialidade

Segundo Magalhães Noronha, “Podemos defini-la como sendo a questão jurídica, que se apresenta no curso da ação penal, versando elemento integrante do crime e cuja solução, escapando à competência d juiz criminal, provoca a suspensão daquela ação (NORONHA, E. Magalhães. Curso de direito processual penal. 19. ed. São Paulo Saraiva, 1989, p.57).
Trata-se, portanto, do que é decidido antes do julgamento da questão principal de forma definitiva, no mesmo ou em outro processo com ela relacionado.
A questão incidente condiciona o julgamento da causa, pois para o seu deslinde depende, necessariamente, sua solução.

2.2. Elementos da prejudicialidade

A doutrina destaca quatro elementos que a compõem:
– Anterioridade lógica: a questão prejudicial depende da existência da prejudicialidade, que influi, diretamente, no julgamento meritório da causa;
– Necessariedade: a questão prejudicial subordina a análise da questão prejudicada, a qual deve esperar o julgamento da prejudicialidade para ser resolvida;
– Autonomia: possibilidade de a questão prejudicial figurar em um processo autônomo, independente daquele em que figura a questão prejudicial;
– Competência na apreciação: a competência geral comete ao juízo penal, não impedindo sua análise, em caráter excepcional pelo juízo cível.

2.3. Classificação

“A natureza jurídica das questões prejudiciais é extremamente controvertida. Já foi ela considerada como precedente jurisprudencial, no Direito Romano; como meio de prova, por Bethman-Holweg; como espécie de ação ou de exceção, para João Pereira Monteiro; como pressuposto processual, para Giulio Battaglini; como condição de procedibilidade, para Alfredo De Marcico; como condição da ação, para Paulo Lúcio Nogueira etc. Concordamos com Antônio Scarance Fernandes que vê na prejudicialidade uma forma de conexão: A prejudicialidade, como vem sendo acentuado, se caracteriza por ser uma relação entre duas figuras, a prejudicial e a prejudicada, sendo que esta depende lógica e necessariamente daquela” (MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Processo Penal. Atlas: São Paulo, 2005, p.200).
Quanto ao mérito ou natureza da questão:
– homogênea: quando as questões pertencem ao mesmo ramo do direito;
– heterogênea: por sua vez, caracteriza-se quando as questões pertencem a ramos jurídicos diversos.
– total: quando a questão prejudicial incide sobre a própria existência do direito prejudicado;
– parcial: quando se refere apenas a uma circunstância, podendo ser atenuante, agravante, qualificadora etc.
Quanto ao efeito:
– obrigatória ou necessária: sua existência, sendo considerada fundamental para o processo principal, provoca a suspensão deste até que a questão prejudicial seja resolvida, pois de sua solução depende o principal. Há a suspensão devido à falta de competência relacionada à matéria, devendo o juiz cível solucioná-la para que o juiz criminal possa julgar o processo prejudicado. São questões cíveis que se relacionam com o estado civil das pessoas;
– facultativa: diz respeito à faculdade do juiz suspender ou não o processo, mesmo que a reconheça como importante para a solução da lide. São questões que se diferem das anteriores.
Quanto ao juízo competente para resolver a questão prejudicial:
– não devolutivas: referem-se às questões homogêneas, sendo sempre o juízo penal o competente;
– devolutivas absolutas: referem-se às questões heterogêneas, devendo o juízo cível resolvê-las. Fica suspenso o processo e a prescrição (art.116 do CPP), até o trânsito em julgado no cível;
– devolutivas relativas: o juízo penal poderá aguardar ou não o julgamento no cível.

2.4. Sistemas de solução

Existem vários sistemas de competência para resolver sobre a competência do juiz que deve julgar a questão prejudicial. Entre eles podemos destacar:
– do predomínio da jurisdição penal: quem conhece da ação deve conhecer da exceção. Neste sistema o juiz penal seria o competente para a solução da questão cível atinente ao processo que esteja sobre sua jurisdição. Porém, este sistema afronta à divisão material de competências;
– da separação jurisdicional absoluta: o juiz criminal está vinculado à decisão do juiz cível, haja vista que este é especialista na matéria que enseja a decisão. Entretanto, fere o princípio do livre convencimento do juiz criminal, uma vez que está vinculado à decisão daquele juiz;
– da prejudicialidade facultativa: o juiz criminal tem a faculdade de encaminhar ou não a questão ao juízo cível;
– sistema eclético: as soluções necessárias para o decurso da ação são proferidas tanto pelo juiz penal quanto por juiz investido em outra competência material.

2.5. Prejudicial e prescrição

Suspenso o curso do processo suspenso também fica a prescrição (art.116, I, do CP), porém, nada impede que sejam ouvidas testemunhas e produzidas provas urgentes e indispensáveis ao caso.

2.6. Efeito

A decisão do juízo cível, concluindo pela inexistência de uma infração penal vincula o juízo criminal, que não pode decidir de forma diversa, pois a decisão daquele faz coisa julgada neste.

2.7. Recurso contra despacho que suspende a ação

Do despacho que suspende a ação penal cabe recurso em sentido estrito (art.581, XVI, do CPP). Entretanto, da decisão que não suspende o processo não cabe recurso, exceto habeas corpus. Cabe uma solução neste caso, qual seja, levantar a questão em preliminar de apelação. Sendo a questão devolutiva absoluta, o tribunal anula a decisão e ordena a remessa ao juízo cível da questão prejudicial. Sendo devolutiva relativa, não cabe ao tribunal anular a decisão, mas pode absolver o réu.
Cabe lembrar que a suspensão do processo pode ser decretada ex officio pelo juiz ou requerida pelo acusado ou pelo Ministério Público.

2.8. Diferença entre questão prejudicial e questão preliminar

Estas questões apresentam a similitude de serem julgadas antes do processo principal.
Entretanto se caracterizam mais pelas diferenças, podendo citar: quando o juiz acolhe a questão prejudicial ela vai decidir o mérito, já quando recebe a questão preliminar o mérito da causa não é julgado; questão prejudicial é autônoma, enquanto questão preliminar é dependente da principal; questão preliminar sempre será resolvida no juízo criminal, no entanto, questão prejudicial nem sempre, dependendo de sua natureza.

3. AS EXCEÇÕES

3.1. Conceito

As exceções em sentido lato caracterizam o direito público subjetivo de defesa do acusado, podendo combater diretamente a acusação contra ele veiculada, deduzir matéria que impeça o conhecimento do mérito ou prolongar o andamento do processo. Já em sentido estrito define-se como o meio utilizado pelo autor para impedir a análise do mérito, mediante a extinção do processo, ou um atraso em seu andamento.
Ao contrário das questões prejudiciais que pode se desenvolver em outro juízo, as exceções sempre têm tramitação no juízo criminal, consistindo em procedimento incidental.
Além disso, elas podem ser reconhecidas ex officio pelo juiz, podendo ser alegadas pelas partes a qualquer tempo.

3.2. Objetivo

– consiste em uma questão preliminar que necessita de uma solução prévia, antes da análise do mérito da pretensão punitiva;
– possui natureza cautelar, pois visa acautelar os interesses patrimoniais presentes no processo principal;
– trata-se de uma questão probatória, objetivando à comprovação da inimputabilidade do agente, caso de insanidade mental; como à constatação da materialidade do delito, que se dá no incidente de insanidade, por exemplo.

3.3. Espécies
– peremptórias: são as que, uma vez acolhidas, encerram o processo principal, como por exemplo, coisa julgada, litispendência, ilegitimidade de parte;
– dilatórias: trata-se de exceções cuja solução não põem termo ao processo principal, como ocorre na exceção de incompetência do juízo, de suspeição, impedimentos etc.

3.4. Categorias

– ratione loci: ocorre quando o delito pelo qual o réu está sendo acusado foi cometido em outro lugar, como, por exemplo, em outro país;
– ratione personae: configura-se quando o juiz tem vínculo com uma das partes;
– ratione materiae: trata-se de competência fixada em razão da matéria. Tendo o juiz recebido um processo para o qual não é competente deve remetê-lo para o que competente for, sob pena de configurar esta exceção.

3.5. Suspeição, impedimento ou incompatibilidade

Trata o art. 96, do CPP que “a argüição de suspeição procederá a qualquer outra, salvo quando fundada em motivo superveniente”. Mesmo sendo a suspeição, o impedimento e a incompatibilidade tratados de forma distinta, elas possuem a mesma conseqüência, qual seja, a imparcialidade da jurisdição. A imparcialidade é requisito fundamento de validade do pronunciamento jurisdicional, haja vista o que trata o princípio constitucional do devido processo legal. A distinção entre elas trata-se dos casos elencados pelo código.
São casos de impedimento (art. 252 e 253, do CPP), os que se referem aos fatos e circunstâncias relacionadas à intimidade ou interesse do juiz ao próprio processo.
No que diz respeito à suspeição, refere-se a causas externas ao processo levado à apreciação do juiz, como inimizade ou amizade com alguma das partes.
Já as incompatibilidades (art. 112, do CPP) compreendem as causas não ensejadoras de impedimento ou suspeição, que possam prejudicar ou impedir que o juiz cumpra com seu dever de ser imparcial em todos os feitos em que intervir.
Sendo a exceção anterior à propositura da ação, e do conhecimento das partes, deverá ser elencada logo após o interrogatório, na defesa prévia, por escrito, em petição assinada pela parte ou pelo seu procurador com poderes especiais, amparada por provas documentais e rol de testemunhas.
Caso concorde o juiz, os autos do processo principal serão encaminhados para seu substituto legal, não cabendo nenhum recurso.
Não concordando o juiz, determinará a formação de autos apartados, proferindo resposta em três dias. Após isso, os autos serão encaminhados ao tribunal competente, dentro de 24h, onde serão julgados. Sendo manifestamente improcedente, o relator poderá rejeitá-lo liminarmente.
Com o julgamento de procedência da exceção pelo tribunal, todos os atos processuais serão anulados.
Ocorrendo a suspeição, impedimento e incompatibilidade do Ministério Público, permitirá a produção de provas no prazo de três dias, devendo decidir logo em seguida (art.104, do CPP). Tratando-se de arguição contra peritos, intérpretes e serventuários, sendo proferida decisão de plano pelo juiz, sem recurso (art. 105, do CPP). Entretanto, não se pode levantar a suspeição contra autoridades policiais no inquérito, haja vista que se trata de um procedimento inquisitivo, porém, nada obsta que elas se declarem suspeitas e requeiram para que não participem dos feitos. Já a suspeição de jurado é argüida oralmente logo após ter sido realizado o sorteio.
As exceções poderão ser argüidas pelas partes mesmo após o trânsito em julgado da sentença, quando disser respeito à imparcialidade do juízo, respeitando o princípio do devido processo legal. A razão de ser desta arguição se justifica por se tratar de interesse público.
Questão controvertida é sobre a legitimidade do assistente de acusação para argüir a suspeição. Para Mirabete o rol do art. 271, do CPP é taxativo, elencando as funções do assistente, não incluindo esta função, não tendo, portanto, esta atribuição. Já Tourinho defende que o assistente tem interesse processual em manter a imparcialidade do juiz, podendo ser reconhecida a ele esta possibilidade.

3.6. Incompetência de juízo

O pressuposto para sua propositura é o prosseguimento de um processo diante de um juízo incompetente (arts. 69 e segs., do CPP).
Existem no ordenamento jurídico brasileiro duas hipóteses de competência, uma relativa e outra absoluta. A relativa encontra seu fundamento em normas infraconstitucionais, como o Código de Processo Penal, já a absoluta tem sua origem no próprio texto da Constituição. A primeira diz respeito à territorial, a segunda se refere à matéria e à prerrogativa de função. Tratando-se de incompetência absoluta, por se tratar de norma de interesse público, poderá ser manifestada a qualquer tempo, mesmo após o trânsito em julgado da sentença, em respeito ao princípio constitucional do juiz natural (art. 5, XXXVII, da CF/88), provocando a anulação do processo. Poderá também o juiz declarar ex officio sua incompetência relativa. Porém, no primeiro caso, deve respeitar o limite da coisa julgada pro reo.
O objeto da exceção de incompetência no Código de Processo Penal, em regra, refere-se à incompetência relativa, tendo em vista que as hipóteses nele tratadas possuem interesse superior das partes.
Em se tratando de incompetência, mesmo que relativa, poderá ser reconhecida pelo juiz ex officio, a qualquer tempo (art. 109, do CPP).
Em que pese ocorrerem retardos processuais devido a algumas normas processuais penais, tal como a supracitada, visa ela garantir a segurança jurídica em um pronunciamento jurisdicional efetivo, respeitador dos princípios infraconstitucionais e sobremaneira os constitucionais. Deve-se buscar a medida correta entre uma justiça célere e eficazmente confiável.
A exceção de incompetência relativa poderá ser oposta verbalmente ou por escrito, dentro do prazo da defesa inicial (arts. 396 e 396-A, do CPP), sob pena de preclusão e prorrogação da competência.
Conforme o art. 567 do Código de Processo Penal a incompetência do Juízo anula somente os atos decisórios. Dessa forma somente os atos instrutórios serão ratificados pelo juiz competente, os atos decisórios serão anulados.
A incompetência absoluta poderá ser argüida a qualquer tempo, respeitados os devidos procedimentos:
– deverá ser proposta ao próprio juiz da causa;
– ouvido o Ministério Público, e aceita a declinatória, será o feito remetido ao juiz competente, que sendo ratificados os atos anteriores, o processo se desenvolverá;
– não sendo aceita pelo juiz a incompetência, ele fará constar nos autos a termo a declinatória, se proferida verbalmente, prosseguindo no seu julgamento (art. 108, §§ 1° e 2°, do CPP);
– da decisão que aceita a declinatória, reconhecendo a incompetência, cabe recurso em sentido estrito (art. 581, III, do CPP);
– não sendo conhecida a exceção de incompetência, cabe habeas corpus (art. 648, III, do CPP);
– o processo não ficará suspenso.

3.7. Litispendência

Trata-se da propositura de ação idêntica à já instaurada anteriormente, desde que esta não tenha transitado em julgado, envolvendo as mesmas partes e o mesmo fato delituoso. Tal exceção tem como premissa o princípio da vedação do bis in idem, ou seja, a ninguém pode ser imputada mais de uma vez o mesmo fato delituoso.
A demanda pode ser identificada pelos seguintes elementos:
– pedido: na ação penal geralmente se refere à aplicação da pena;
– partes: integrantes do litígio;
– causa de pedir: o fato criminoso imputado ao réu.
Diante da ausência de identidade destes elementos em demandas distintas, inexiste a litispendência.
A decisão que acolhe a exceção de litispendência pode ser atacada por meio de recurso em sentido estrito (art. 581, III, do CPP). Não sendo acolhida não existe nenhum preceito legal que garanta a medida recursal para o caso, porém, como ninguém pode ser processado mais de uma vez pelo mesmo fato, e tendo em vista o princípio da segurança jurídica, cabe habeas corpus. Já quando o juiz acolhe ex officio a litispendência, o recurso cabível é a apelação (art. 593, II, do CPP).
Cabe lembrar que não há prazo para a arguição da litispendência, a qual deve ser elencada no processo repetido, ou seja, no novo processo.
Como o réu se defende dos fatos contra ele narrados na inicial, a litispendência tem como fundamento a repetição, em processo diverso, da acusação do mesmo réu de ter praticado o mesmo fato delituoso, não se desconfigurando quando houver tipificação jurídica diversa para o mesmo fato.
O processo principal terá seu prosseguimento normal, não ficando suspenso quando do levantamento deste impedimento.

3.8. Ilegitimidade de parte

Configura-se quando a ação é proposta pela parte ativa ilegítima (ilegitimidade ad causam) para aquele processo penal, como por exemplo, a propositura da Ação Penal Pública por meio de queixa, a Ação Penal Privada por meio de denúncia.
Esta exceção pode ser autuada tanto como matéria de defesa, no mesmo processo, como apartadamente.
Pode ser reclamada pelo réu em qualquer fase do processo, até mesmo após o trânsito em julgado da sentença, quando condenatória, por se tratar de questão de caráter constitucional do devido processo legal.
Também é cabível quando há ilegitimidade para integrar validamente qualquer processo (ilegitimidade ad processum).
Tratando-se de ilegitimidade ad causam, o processo é anulado. Já quando houver ilegitimidade ad processum, poderá ser sanada a qualquer tempo, mediante ratificação dos atos processuais já praticados (art. 568, do CPP)
O recurso cabível quando a decisão reconhece a ilegitimidade é o em sentido estrito (art. 581, II, do CPP). Por outro lado, a decisão que não reconhecer a existência da ilegitimidade não cabe nenhum recurso específico, entretanto, pode-se argüir em preliminar de apelação ou através de habeas corpus. Já quando é reconhecida ex officio pelo juiz, cabe recurso em sentido estrito, sob outro fundamento (art. 581, I, do CPP).
O procedimento neste caso é o mesmo cabível quando houver exceção de incompetência do juízo.

3.9. Coisa julgada

O fundamento para a exceção da coisa julgada (art. 95, V, do CPP) é o mesmo da litispendência, qual seja, o princípio do não bis in idem. A diferencia é que esta se funda na repetição de um processo ainda em trâmite, já aquela tem como embasamento a repetição de um processo já transitado em julgado.
A coisa julgada é uma qualidade conferida às decisões proferidas pelo Poder Judiciário, agasalhadas pelo manto da imutabilidade e irrecorribilidade.
Ela possui dois enfoques, um de coisa julgada formal e outro de coisa julgada material. O primeiro diz respeito ao pronunciamento jurisdicional que extingue o processo sem julgamento de mérito, ou seja, só analisa o processo por suas características processuais, que quando ausentes, impedem a análise do direito presente no caso. Já o segundo relaciona-se como a decisão jurisdicional que se aprofunda no direito pleiteado pelas partes, analisando-o por completo, e conferindo a uma das partes o pleito narrado na inicial. A diferença fundamental entre eles é que quando ocorrer a coisa julgada formal, o direito poderá ser analisado em outro processo, estando presentes os requisitos processuais que impediram a análise anterior; ocorrendo coisa julgada material, o direito não poderá mais ser conhecido pelo judiciário, tornando-se o pronunciamento anterior imutável, só podendo ser atacado por revisão criminal (art. 621, do CPP), ou por anistia, indulto, ou alguma causa expressa no Código de Processo Penal.
Existem várias teorias para explicar a natureza jurídica da coisa julgada:
– teoria do contrato ou quase contrato: para esta corrente por as partes se submeterem voluntariamente ao resultado do litígio, devem se submeter ao que for decidido. Esta submissão justifica-se pelo contrato judicial que elas firmam;
– teoria de Pagenstecher: para este autor o elemento constitutivo que possui o pronunciamento jurisdicional deve acompanhar todas as sentenças, sendo um fim proposto pelas partes. Para ele as sentenças, mesmo que declaratórias, devem possuir caráter constitutivo de Direito;
– teoria de Hellwig: para este autor a decisão judicial possui efeito apenas processual, não influindo no direito substancial das partes, o que, no caso de erro, se matem como era. Com isso, há um impedimento amparado no respeito que o tribunal possui sobre aquelas relações processuais já resolvidas anteriormente;
– teoria da vontade autoritária do Estado: o elemento perpetuador da decisão judicial não se encontra no direito, mas sim na vontade soberana do Estado, materializado no juiz;
– teoria de Rocco: para ele a ação encontra no cumprimento da obrigação sua natureza e fim. Por isso, o direito de ação que foi analisado e submetido a um pronunciamento jurisdicional final se extinguiu, possuindo valor apenas a decisão proferida no caso, a qual não pode ser modificada, uma vez que o direito de ação em que se amparou para ser elaborada não mais existe;
– teoria de Goldschmidt: a força judicial da coisa julgada é fruto de um procedimento do juiz, que possui o poder para tanto. E aquilo que o juiz entende como direito deve assim ser considerado. A coisa julgada é fruto da essência entre o direito processual e o direito material.
O objetivo principal da coisa julgada é a segurança jurídica, que uma vez alcançada se reflete na paz jurídica, evitando que questões já submetidas ao juízo e resolvidas possam novamente serem propostas a análise. Visa também a ocorrência de decisões conflitantes sobre os mesmos casos, o que concorreria par o descrédito da função jurisdicional.
Para o acolhimento desta exceção é necessária a identidade do pedido pelo autor contra mesmo réu, do mesmo direito, sob o mesmo fundamento jurídico do fato.
Temos as seguintes conseqüências diante do ajuizamento de uma segunda ação:
– o juiz reconhecendo a existência da coisa julgada, poderá recusar o recebimento da denúncia. Desta decisão cabe recurso em sentido estrito;
– reconhecimento de coisa julgada durante o andamento processual pelo juiz, ele pode declará-la de ofício, em qualquer fase, extinguindo o processo sem julgamento do mérito;
– não sendo reconhecida de ofício pelo juiz, o réu ou o Ministério Público poderão argui-la. Caso não acate, poderá ser proposto o habeas corpus.
Sendo instaurado um segundo inquérito policial, ele pode ser trancado pro habeas corpus.
O rito é o mesmo da exceção de incompetência (art. 110, do CPP).
Já se manifestou o STF (RT, 615/358), que no caso de concurso de agentes, absolvido o réu da acusação de autor de homicídio, nada impede que seja processado como partícipe do mesmo fato, inexistindo o impedimento da coisa julgada.

3.10. Impedimentos do Ministério Público e órgãos auxiliares

Aos membros do Ministério Público são aplicáveis as mesmas regras de impedimentos dos juízes (art. 258, do CPP). Havendo o impedimento ou a incompatibilidade, o membro do Ministério Público deve afastar-se do processo, motivando sobre os seus motivos. Os serventuários e peritos devem comunicar o fato ao juiz, o do jurado deve manifestar-se no ato do sorteio (art. 466, do CPP).
Sobre a participação do Ministério Público no inquérito policial, define a Súmula n. 234, do Superior Tribunal de Justiça: “A participação de membro do MP na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia”. Entretanto, se o Promotor foi testemunha, não pode participar da ação penal.
Não havendo o afastamento espontâneo, deve a parte argui-lo.

3.11. Conflito de jurisdição

Ocorre o conflito de jurisdição quando, em qualquer fase do processo, um ou mais juízes, tomam ou recusam tomar conhecimento do mesmo fato delituoso.
Diz respeito tanto ao conflito de competência, quanto o conflito entre jurisdições diferentes. O primeiro ocorre quando há conflito entre juízes de uma mesmo jurisdição. O segundo quando ocorre quando há conflito de entre órgãos de jurisdição distintas.
Há conflito de jurisdição quando envolve a competência em razão da matéria ou por prerrogativa de função.
O conflito pode ser positivo (dois ou mais juízes ou tribunais de declaram competentes), ou negativo (quando as autoridades judiciárias se afirmarem incompetentes para o conhecimento da causa).
Poderá também ocorrer o conflito quando surgir controvérsia sobre a unidade de juízo, reunião ou separação de processos (art. 114, II, do CPP).
Disciplina a Súmula 59 do STJ que não ocorre o conflito quando um dos processos já se encontra julgado.
Há situações de conflitos de atribuições, em que figuram como agentes do conflito, órgão do Poder Judiciário e órgãos do Poder Executivo ou Legislativo. Ocorrendo o conflito, ele deve ser solucionado pela autoridade hierarquicamente superior aos conflitantes, como por exemplo, ocorrendo entre promotores, quem irá decidir será o procurador-geral de justiça.
Processam perante o Supremo Tribunal Federal os conflitos de competência entre o STJ e qualquer outro tribunal, entre Tribunais Superiores e qualquer outro tribunal ou entre Tribunais Superiores entre si (art. 102, I, o, da CF/88).
Perante o Superior Tribunal de Justiça, compete o processamento de conflitos de competência entre quaisquer tribunais, salvo os casos anteriores, entre tribunal e juiz a ele não vinculado, bem como juízes vinculados a tribunais diversos, entre juízes de direito e auditor militar (art. 105, I, d, da CF/88).
Aos Tribunais Regionais Federais cabe resolver o conflito entre juízes federais a ele vinculados, bem como entre juiz federal e juiz estadual investido na jurisdição federal (Súmula 3, do STJ).
Os conflitos envolvendo a Justiça Militar devem ser solucionados perante o Superior Tribunal Militar (art. 114, do CPPM).
Diante do Superior Tribunal Eleitoral os conflitos entre Tribunais Regionais Eleitorais ou juízes eleitorais de Estados diferentes (art. 29, I, b, do CE).
A competência para julgar é estabelecida na Constituição Federal, nas Constituições dos Estados, nas leis processuais e de organização judiciária e nos regimentos internos dos tribunais.

3.12. Restituição de coisas apreendidas

Durante o inquérito policial, a autoridade policial, ao ensejo das investigações, agindo de ofício, pode determinar a apreensão dos intrumenta sceleris e dos objetos que tiverem relação com o fato criminoso (art. 6º, II, do CPP).
A apreensão pode ocorrer:
– através da lavratura de um auto de apreensão e os instrumentos e demais objetos de prova utilizados na prática do crime, que possa auxiliar no levantamento da autoria ficam sob custódia na polícia.
– mediante a realização de buscas pessoais e domiciliares procedidas pela própria autoridade ou por pessoas a ela subordinadas.
Busca é a diligência em que se procura alguma pessoa ou objeto de interessa ou relevância para o processo ou inquérito. Encontrando algum objeto referente à prática delituosa, procede-se à apreensão das pessoas ou coisa visadas, de modo que os instrumentos e, enfim, todos os objetos que tiverem relação com o fato, acompanharão os autos de inquérito tal como determinação do art. 11, do CPP.
O art. 240, § 1º, b, c, d, e, f e h, do CPP, cuida dos objetos que podem ser apreendidos, sobre os quais pode incidir a diligência de busca e apreensão:
– coisas achadas ou obtidas por meios criminosos, produtos diretos, ou imediatos, do crime;
– instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;
– armas e munições;
– instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso;
– objetos destinados à prova da infração ou à defesa do réu;
– carta, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;
– qualquer elemento de convicção.
Não podem ser apreendidos as coisas ou valores que constituam proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso, mediante sucessiva especificação (jóias feitas com ouro roubado) ou conseguidas mediante alienação (dinheiro da venda do objeto furtado).
Também não podem ser apreendidos o bem ou valor dado ao criminoso como pagamento ou recompensa pela prática do crime (pretium sceleris).
Os objetos que não são susceptíveis de apreensão podem, todavia, ser arrestados. O legislador, no art. 132 do CPP, houve-se com imprecisão técnica ao utilizar a palavra seqüestro no sentido de arresto.
Não obstante a apreensão e o seqüestro visarem à segurança do bem móvel, ambos se sujeitam a disciplinamentos diversos. Para o seqüestro a autoridade policial representa ao juiz.
Em se tratando de restituição, em princípio, todos os objetos apreendidos o podem ser, principalmente os produtos do crime, mas antes do transito em julgado de sentença condenatória, não serão restituídos se interessarem ao processo (art. 118, do CPP). Se estiverem contidas no rol do art. 91, II, a, do CP (instrumento do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, porte, uso ou detenção constitua fato ilícito), havendo trânsito em julgado, elas passarão para a União.
Entretanto, há casos em que não será permitida a restituição do objeto, mesmo após o trânsito em julgado da sentença, isso se dá com relação aos produtos do crime, ou seja, caso o fabrico, uso, porte, alienação ou detenção do produto do crime constituam fato ilícito, após a condenação transitada em julgado, como efeito genérico desta, reverterão em favor da União. A mesma conseqüência se aplica na sentença absolutória. Da mesma forma ocorre quando houver arquivamento do inquérito, decisão que julga extinta a punibilidade, impronúncia ou absolvição, no entanto, o perdimento para o ente federativo deverá ser declarado pelo juiz (art. 779, do CPP). Em todos estes casos deves-se respeitar o terceiro de boa-fé.
São restituíveis os instrumentos do crime que não se amoldarem à alínea a do inciso II, do art. 91 do CP, ou seja, se não forem confiscáveis, pouco importando haja sentença condenatória transitada em julgado, bem como também na hipótese de arquivamento, extinção da punibilidade, impronúncia ou absolvição também será restituído ao acusado, terceiro de boa-fé ou ao lesado o instrumento do crime.
A lei das contravenções penais, em seu art. 1°, permite que sejam aplicadas às contravenções as regras gerais do CP. No entanto, não se concebe a aplicação deste artigo na espécie. Isso porque, a lei penal permite o confisco do instrumento do crime, ou seja, aquele empregado para sua prática. O art. 1° da LCP somente teria aplicação, na hipótese, se alguém fizesse uso de um instrumento cujo porte, detenção, fabrico, uso ou alienação constitua fato ilícito, para praticar uma contravenção, haja vista que se refere às regras gerais do CP, ou seja, o principio da reserva legal, a aplicação da pena, os direitos do presos, remição, detração, concurso material, formal, continuação delitiva, interrupção da prescrição, suspensão do prazo prescricional etc.
Entretanto, nenhuma aplicação poderão ter, por exemplo, os arts. 91, II, a, e 92 do CP por total incompatibilidade, por quanto o CP fala em instrumento de crime, vale dizer, utilizado para a pratica de um crime. Somente poderia aplicar-se analogicamente este preceito legal no caso de alguém utilizar-se de instrumento confiscável para a prática de uma contravenção.
Quando se tratar de bem ou valor constitua proveito auferido pelo agente com a pratica de um ato criminoso, é impossível a sua restituição, por quanto não se trate de produto direto, mas, sim, de produto de produto indireto do crime, ou seja, do dinheiro do rádio roubado e não do rádio roubado, por exemplo. Nesse caso, o dinheiro foi auferido pela alienação do rádio roubado, de forma que não será possível a restituição por tratar-se de coisa diversa.
Quando ao terceiro de boa-fé, é possível a restituição. Por exemplo, bem poderá alguém, mediante fraude, obter de outrem R$5.000,00 e, com esse valor, adquirir um relógio e vendê-lo, por um preço justo a um terceiro, que será de boa-fé. Nesse caso, nada impede a restituição.
Apreendido o objeto, respeitar-se-á o direito de terceiro. Se este não o reclamar, aplicar-se-á o disposto no p.ú. do art. 133, do CPP.
Os produtos indiretos do crime não são suscetíveis de serem apreendidos. Esses bens não sujeitos à busca e apreensão são objeto de seqüestro, nos termos do art. 132, do CPP.
Não se tratando de objetos confiscáveis, ficam guardados até a sentença final (absolutória ou condenatória); com tudo, se não mais interessarem ao processo, podem ser restituídas até mesmo em fase de inquérito.
O interessado poderá requerer à autoridade policial a devolução do objeto, cabendo a ela decidir a respeito da devolução, ouvindo-se o representante do MP.
Decidida sobre a devolução, dar-se-á por despacho nos autos, lavrando-se, então, um termo de restituição assinado pelo interessado ou representante legal e por duas testemunhas, como medida de cautela. Poderá ser restituído pela autoridade policial se tratar de objeto restituível e não houver interesse na sua retenção, não houver dúvida quanto ao direito do reclamante e a apreensão não tiver sido feita em poder de terceiro de boa-fé.
A restituição será realizada pelo juiz quando o objeto for restituível e absolutamente desnecessária sua retenção.
Na hipótese de dúvida quanto ao direito do reclamante, o requerimento deverá ser autuado à parte, formando-se um incidente. O juiz deverá então, abrir vista ao reclamante, para em 5 dias fazer prova de seu direito. Uma vez ouvido o MP, proferirá o juiz a sua decisão. Caso o juiz penal entenda muita complexa a questão, determinará que o interessado ingresse com ação própria no juízo cível, por não ser possível a solução dentro do processo incidental.
Na hipótese de objeto apreendido em poder de terceiro, forma-se um incidente, concedendo o juiz prazo de 5 dias ao reclamante, afim de produzir prova e prazo igual sucessivamente para o terceiro de boa-fé para o mesmo fim. Esgotados os prazos de ambos, disporão eles de 2 dias com o  prazo em comum para arrazoar. Apresentadas as razões e ouvido o MP, o juiz proferira sua decisão. Entendendo o caso muito complexo, remeterá as partes ao juízo cível.
Quem transferir coisa furtada ou achada a terceiro de boa-fé, deve restituir o lesado, e ao terceiro que comprou, cabe ação regressiva contra quem o vendeu a coisa. Todavia, se a coisa foi adquirida em leilão público, feira ou mercado, o dono que pretende a restituição é obrigado a pagar ao possuidor o valor pago na compra.
Em se tratando de coisas facilmente deterioráveis, a restituição se dá tanto na polícia, quanto em juízo desde que seguido os requisitos legais.
Quando o houver retardo sobre a decisão no processo de incidente quanto à dúvida do direito do reclamante, o juiz poderá:
– ordenar sua guarda em mãos de depositário ou do próprio terceiro que o detinha, desde que pessoa idônea;
– determinar a avaliação e venda em leilão público, e o quantum será depositado, de preferência, em agências do BB, ou da CEF. Após a solução do incidente será levantado o depósito e entregue a quem de direito. Deve o juiz como medida cautelar, nesta hipótese determinar as medidas do art. 120, § 5ª, do CPP, para ressalvar direito de terceiro.
Ressalvado o direito de terceiro, as coisas adquiridas com os proventos do crime, serão objeto de seqüestro, após avaliação, será levada a leilão (art. 132, 133, do CPP). Se com os proventos do crime adquirem-se coisas achadas ou objetos falsificados, poderão elas ser apreendidas. O destino dos bens será o previsto pelo art. 133, parágrafo único. O produto adquirido com o leilão serve apenas para facilitar a efetivação, no juízo civil, da responsabilidade de reparação do dano não sendo assim propriamente um ressarcimento de dano.
Em se tratando do destino dos objetos apreendidos, tratando-se de objetos confiscáveis, não tendo havido devolução ao lesado ou ao terceiro de boa-fé, havendo sentença condenatória transitada em julgado, o juiz deverá aguardar 90 dias para eventual restituição, se for o caso. Não havendo pedido e decorrido o prazo, o juiz criminal terá três opções:
– se for peça valiosa, o juiz determinará avaliação e leilão, os licitantes no leilão serão pessoas qualificadas. O produto do leilão será recolhido ao tesouro nacional e não se destinando ao ressarcimento do dano;
– recolher ao museu natural, caso há interesse na conservação;
– se de inexpressivo valor ou estiver com defeito, poderá determinar sua destruição.
Quando as coisas apreendidas forem fruto de descaminho ou contrabando, o responsável pelo contrabando ou descaminho, se proprietário do veiculo utilizado para a introdução da mercadoria proibida ou sujeita a pagamento de impostos, no território nacional, ou para saída do nosso território para o exterior, deve perdê-lo de acordo com a Súmula 138/TFR. Trata-se de efeito secundário da natureza penal de uma sentença condenatória.
E quando o instrumento do crime for arma de fogo?
Tratando o instrumento do crime de arma de fogo, a Lei 10826/03 que instituiu o Estatuto do Desarmamento, em seu art. 25 determina: “As armas de fogo, acessórios ou munições apreendidos serão, após a elaboração do laudo pericial e sua juntada aos autos, encaminhados pelo juiz competente, quando não mais interessarem à persecução penal, ao Comando do Exército, para destruição, no prazo máximo de 48 horas.” Essa lei abrange tanto instrumento do crime quanto o objeto material. Não mais é necessária condenação criminal definitiva, podendo ser provocada a destruição da arma de fogo em momento bem anterior, necessário apenas o laudo pericial juntado aos autos. Não são mais perdidas em favor da União e ressalvado o direito do lesado ou terceiro de boa-fé, a restituição será dada ao seu legítimo proprietário desde que esteja preenchido os requisitos do art. 4° da mesma lei.
Por outro lado, a Lei de tóxicos 10.409/02, determina que os veículos, máquinas e instrumentos empregados na prática do tráfico ilícito de entorpecentes, no caso de condenação do agente e ainda que seu porte não constitua fato ilícito, serão perdidos em favor da União, de acordo com o art. 46 da referida lei. O confisco só deve recair sobre os bens que estejam direta e intencionalmente ligados à pratica do crime, de modo que se houver vínculo meramente ocasiona, não haverá confisco.
O art. 91, II, b, fala do confisco pela União dos produtos e proveitos do crime, Produto é a vantagem direta obtida com a prática criminosa. Proveito é a vantagem indireta, conseguida a partir do produto.
Em se tratando de tráfico de drogas, a Constituição Federal em seu art. 243, parágrafo único, prevê que: “todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias”.
O caput do art. 243 prevê a expropriação (confisco), de glebas onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas as quais serão destinadas a assentamentos de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos. Tanto o confisco do caput quanto o do parágrafo único da CF. Todavia, devem respeitar o princípio do devido processo legal (art. 5°, LIV), aguardando o trânsito em julgado da sentença para que essa medida possa ser aplicada.
Quando houver a apreensão de qualquer valor que tenha ligação com os delitos da prevista lei, a autoridade policial que presidir o inquérito policial deverá, de imediato, requerer ao juízo competente a intimação do Ministério Público.
Tratando-se de apreensão de cheque ou dinheiro, o parquet, intimado, deverá requerer ao juízo a conversão do numerário apreendido em moeda nacional, se for o caso, a compensação dos cheques emitidos após a instrução do inquérito com cópias autênticas dos respectivos títulos e o depósito das correspondentes quantias em conta judicial, juntando-se aos autos o recibo.
Recaindo a apreensão sobre outros bens, o Ministério Público, mediante petição autônoma, requererá ao juízo competente que, em caráter cautelar, proceda à alienação dos bens apreendidos, excetuados aqueles que a União, por intermédio da Senad, indicar para serem colocados sob custódia de autoridade policial, de órgãos de inteligência ou militar federal, envolvidos nas operações de prevenção e pressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependências física ou psíquica. Será feito leilão, os valores adquiridos serão transferidos para conta em favor do Funad, apensando-se os autos da alienação aos do processo principal. Ao proferir sentença de mérito, o juiz decidirá sobre o perdimento do produto, proveito, veículo, máquina ou instrumento do crime, apreendido, seqüestrado ou declarado indisponível e sobre o levantamento da caução.

3.13. Medidas assecuratórias

Na atual conjuntura em que nos encontramos a persecução criminal do estado, por meio do processo penal é tida como o meio através do qual se busca, principalmente, a reparação dos danos causados pelo ofensor à vítima (titular do bem jurídico violado), outros que porventura possam ser prejudicados (terceiros).
Neste contexto, surgiu a Lei 9.099 de 25 de setembro de 1995 (Lei dos Juizados Especiais), que busca a composição civil de delitos de “menor potencial ofensivo”, haja vista que a sociedade, vista como o bem comum, não é afetada diretamente, não cabendo defender que há nestes casos o interesse público da aplicação de uma medida criminal sobre o réu. Há nesses casos, um interesse sobrepujante da vítima de ser ressarcida financeiramente pelos prejuízos morais e/ou materiais que ora tenha sofrido.
Há que mencionar que existem outras leis que visam
à aplicação de penas alternativas nos crimes supracitados, tais como: multa reparatória (CTB – crimes de trânsito), prestação pecuniária (Lei 9.714/98 – pagamento de 1 a 360 salários mínimos), perda de bens e valores (ações, títulos ao portador, em favor do Fundo Penitenciário Nacional), reparação de danos causados ao meio ambiente (Lei 9.605/98 – Lei de Crimes Ambientais).
Nesta diapasão, medidas assecuratórias são providências cautelares de natureza processual, cuja finalidade consiste em preservar a eficácia de uma futura decisão judicial, tanto pela reparação do dano decorrente do crime, como a efetiva aplicação da pena a ser imposta.
Existem algumas medidas no Código de Processo Penal com este fim.
A primeira delas é o sequestro, que se trata de uma medida destinada a realizar a constrição de bens imóveis (art.125, do CPP) ou móveis (art.132, do CPP) específicos do acusado, que seja o produto do crime ou tenham sido adquiridos com o proveito da infração penal. O Código Penal, em seu art. 91, II, b, determina que será determinada a perda do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso. O sequestro, em sua modalidade cautelar, destina-se confiscar os bens de quem esteja respondendo a processo criminal e que tenha grave suspeita (séria probabilidade) de que, ao final da ação, devido à morosidade da justiça, possa ter se desfeito deles, o que tornaria ineficaz o pronunciamento estatal, além de causar graves prejuízos à parte e ao Estado.
É oportuno mencionar que não é cabível o sequestro de bens em poder de terceiros de boa-fé.
Cabe exclusivamente ao juiz decretar o sequestro, o qual pode ser requerido pelo Ministério Público, mesmo durante o inquérito; pela vítima do crime, ou seu representante legal, se incapaz, ou ainda por seus herdeiros, caso tenha morrido; pela autoridade policial; e por fim pode ser decretado de ofício pelo juiz, mesmo sem provocação.
O sequestro, por ser questão incidente, será autuado em autos apartados. Tratando-se de bem imóvel será inscrito no registro de imóveis.
Da decisão, concessiva ou negativa, cabe apelação. Quando incidir sobre bens de terceiros, o recurso cabível será os embargos de terceiro. Poderá opor os embargos o indiciado ou réu, o terceiro de boa-fé ou o terceiro senhor ou possuidor.
É competente para o decreto de sequestro o juiz penal. Seu julgamento dar-se-á após o trânsito em julgado do processo principal, o que evita decisões contraditórias.
Cabe o levantamento do sequestro quando há sua perda de eficácia, ocorrendo quando a ação penal não é intentada no prazo de sessenta dias contados da efetivação da medida; prestada caução pelo terceiro de boa-fé que esteja na posse do bem; ou pela extinção de punibilidade ou absolvição do réu, por sentença transitada em julgado.
A segunda medida é a hipoteca legal, que segundo Orlando Gomes é um direito real de garantia de bem imóvel, que continua em poder do devedor, o qual assegura ao credor, precipuamente, o pagamento da dívida. Essa medida, ao contrário da anterior, não recai sobre bens de origem ilícita, mas sim sobre o patrimônio legítimo do acusado, com o fim de garantir a solvabilidade do devedor para uma futura ação civil ex delicto. Pois, é efeito da condenação a certeza da obrigação de indenizar o dano causado pelo crime (art. 91, I, do CPP). A hipoteca também encontra guarida no Código Civil, em seu art. 1489, III.
A hipoteca é classificada como legal, convencional e judiciária. A primeira diz respeito à tratada por lei, para tratar determinadas obrigações; a segunda pelo acordo de vontade entre as partes, manifestada através de um contrato; e a terceira resulta de sentença condenatória exigindo especificação e registro no cartório de Registro de Imóveis para que seja oposta a terceiros. A aplicável no Código de Processo Penal é a que decorre da lei.
Ela pode ser requerida em qualquer fase do processo. O seu requerimento deve ser instruído com provas em que se funda o pedido, o valor da responsabilidade civil, e a relação dos imóveis que o responsável possui, com documentos que comprovem a propriedade. Para que seja decretada é necessário a oitiva do Ministério Público, do requerente e do réu, o qual pode oferecer caução para levantar a hipoteca. Em sendo a sentença condenatória, os autos da hipoteca serão encaminhados ao juízo cível, para a liquidação da execução (art. 63, do CPP).
Para que seja concedida pelo juiz é necessária a prova da existência da justa causa, ou seja, da prova da materialidade do crime e de que existem indícios de autoria. Apresentam como finalidades da hipoteca a satisfação do dano causado pelo delito e o pagamento de eventuais penas pecuniárias e despesas processuais.
O recurso cabível contra a sentença que concede ou não a medida é a apelação.
A terceira medida corresponde ao arresto, tratado no art. 137, do CPP. Possui semelhanças com a hipoteca legal, tendo as mesmas características e finalidades, tendo apenas uma distinção, qual seja, recai sobre bens móveis. A sua diferença para o sequestro é que recai sobre bens móveis de origem lícita. Os bens arrestáveis são os suscetíveis de penhora.
Os bens que são arrestados saem da posse do proprietário e são entregues a terceiro estranho à demanda, a quem cabe a administração e o depósito.
É cabível durante a ação penal, tendo como pressupostos, à semelhança da hipoteca, a justa causa.
Correndo os bens risco de deterioração e sendo fungíveis, poderá o juiz determinar a realização de leilão, sendo depositado o valor auferido.
Caso o réu seja absolvido, os bens ou o valor arrecadado em caso de leilão lhe são devolvidos (art. 141, do CPP).

3.14. Incidente de falsidade

Apresentado um documento no processo, sua falsidade poderá ser suscitada por escrito pela parte interessada. O documento aqui tratado não é só aquele constitui o objeto material do delito, mas quaisquer outros. A falsidade do documento pode ser material (externa, formal) ou ideológica (moral). A falsidade material consiste na imitação da verdade através de contrafação (o falsificador cria, forma, imprime, cunha, manufatura, fabrica o documento) ou alteração (o agente modifica o documento, por acréscimo ou supressão). A falsificação ideológica consiste na diversidade entre o que devia ser escrito e o que realmente consta do documento. O documento, formalmente, é verdadeiro, mas é falso o seu conteúdo. Não fazendo a lei processual qualquer distinção, o incidente de falsidade de documento cabe tanto no que se refere à falsidade material quanto à ideológica. Não tem ele, porém, a finalidade de provar o crime de falsidade, mas averiguar o valor probatório do documento que se encontra nos autos do processo.
No processo penal, a instauração do incidente não é indispensável. Tratando-se de falsidade ideológica de documento particular, a prova pode ser feita na instrução, por outro meio (depoimento de testemunhas, por exemplo).
A arguição de falsidade será autuada em apartado, com a suspensão do prazo principal e concedido o prazo de 48h para o oferecimento de resposta da parte contrária. Após este procedimento, serão concedidos 3 dias para que cada parte produza provas, após este momento o juiz ordenará diligência, em regra perícia, proferindo sua decisão sobre o caso. Neste incidente o Ministério sempre será ouvido, mesmo quando custo legis. Pode o juiz suscitar de ofício a falsidade de um documento quando se trata de falsificação grosseira.
Reconhecida a falsidade, a decisão só fará coisa julgada no próprio processo, não vinculando o juiz competente para o processamento do crime de falso. Neste caso, o documento será desentranhado do processo e encaminhado para o Ministério Público, o qual deverá apresentar a denúncia, em respeito ao princípio da obrigatoriedade.
O recurso em sentido estrito é o cabível para o incidente de falsidade.

3.15. Incidente de insanidade mental do acusado

O incidente de insanidade mental é instaurado quando houver dúvida sobre a saúde mental do acusado. Pode ser instaurado no inquérito policial ou na ação penal, cabível somente por ordem judicial.
A perícia psiquiátrica realizada no inquérito policial só pode ser instaurada pelo juiz. Se o delegado percebe a insanidade, representa à autoridade judiciária o incidente de insanidade mental, conforme art. 149, § 1.º, do CPP.
O incidente pode decorrer do requerimento do Ministério Público; do defensor; do curador; ou do cônjuge, ascendente, descendente e irmão. Pode também ser instaurado de ofício pelo juiz.
O incidente é instaurado quando há dúvida sobre a saúde mental e para verificar se na época dos atos era o indivíduo imputável ou inimputável, conforme art. 26, p.ú. do Código Penal. Não basta a doença mental, precisa saber se em virtude dela, ao tempo da ação ou omissão, era incapaz de entender o caráter ilícito da infração. A interdição no cível é irrelevante para o processo penal. Pois, a perícia penal visa verificar a imputabilidade.
O incidente é autuado em apartado (art. 153, do CPP), em que o juiz expede portaria de instauração e nomeia curador. Se já houver processo em andamento, esse ficará suspenso até julgamento do incidente (art. 149, § 2°, do CPP), salvo com relação aos atos que sejam imprescindíveis. Determina o juiz que as partes elaborem quesitos. Com os quesitos, é realizada a perícia psiquiátrica. O prazo para realização do exame é de 45 dias, prorrogável por igual período (art. 150, § 1.º, do CPP). As partes examinam o laudo, se estiver regular, o juiz homologará. A homologação do laudo não significa concordância, dizendo respeito somente quanto aos aspectos formais. O juiz não está vinculado ao laudo, em razão do princípio do livre convencimento do juiz.
O laudo pode concluir pela imputabilidade; semi-imputabilidade (art. 151, do CPP); inimputabilidade (art. 151); doença mental superveniente (art. 152). Se o laudo decidir pela imputabilidade, prossegue o processo que estava suspenso, dispensando-se o curador que foi nomeado. Se concluir pela semi-imputabilidade, o processo segue com o curador nos autos. Concluindo pela doença mental superveniente, o processo continuará suspenso. A prescrição continuará até sobrevir o prazo prescricional ou sanar a doença mental.
A falta de nomeação de curador gera nulidade absoluta.

Enviado por Gouvêa